Moradias Unifamiliares em Banda
na Zona Protegida da Ribeira Negra, ou
O Estado da Nação.
(um post escrito só porque sim).
A história começa aqui com um post da Gotika que eu comentei, ou melhor, de que comentei um comentário. Também a Silvia escreveu isto no seu blog. E aqui está o que eu acho. Tudo a propósito do "diagnóstico" sobre "este país", que toda a gente dá como concluído.
1. Eu ando há mais de três semanas com febre intermitente (muito alta), tosse e outros problemas aparentemente menores. Pareceu-me demasiado tempo para uma gripe de Verão. Senti-me a enfraquecer. Receei uma pneumonia, ou qualquer outra doença misteriosa e temível. Fui ao médico. "Você tem febre", disse ele, "e tosse. E está muito magro. Sente-se bem?". E pronto. Em Portugal chamamos a isto "diagnóstico". O médico começou a escrever, com grande segurança. Imaginei uma encomenda de análises (não era). Perguntei o que poderia ter. "Bom", disse ele, "sabe, uma virose qualquer, uma coisa dessas. Vamos andando e vamos vendo. Tem aqui um antibiótico e umas vitaminas, que mal nunca fazem. Se não melhorar volte cá". E pronto. Em Portugal chamamos a isto "tratamento".
2. A gotika fala em impunidade (e bem), a silvia em preguiça e facilitismo (e bem). Todos nós coleccionamos histórias inacreditáveis (as melhores das minhas continuam a ser o enternecedor "café curto não temos" que me disseram no Porto há uns oito ou nove anos atrás, e o subtil "não podemos querer que os estudantes saibam tudo aquilo que lhes é exigido" com que um eminente professor catedrático me justificou um dia a necessidade de eu rever - em alta - as classificações de um exame que corrigi), todos nós sabemos também que "lá fora" os portugueses até são capazes de fazer o que os outros fazem. E no entanto, a meu ver, não é (só) disso que se trata.
3. Hoje de manhã, levado pela preguiça e pelo facilitismo próprios de domingo, fiquei na cama a ouvir rádio. Entrevistava-se o Dr. Ulrich, um dos mais poderosos banqueiros portugueses (devo dizer que a "alta banca", como se diz nos países de língua francesa, é um dos pouquíssimos sectores em que as empresas portuguesas são tão boas - no sentido de tão eficientes - como as de qualquer outro país europeu). Em dez minutos, questionado sobre polémicas decisões governamentais, o Dr. Ulrich disse três vezes "bom, mas ele terá informações de que eu não disponho". Às vezes temos muito a aprender com o capitalismo. E o primeiro ponto para que eu queria apontar é precisamente este: em Portugal, não dispomos de informação suficiente para traçar um diagnóstico seguro sobre seja o que for. E não dispomos de informação suficiente proque não sabemos como a obter. E se soubéssemos, e se a tivéssemos obtido, era sinal de que não estávamos doentes, e que o diagóstico era desnecessário. Cruel paradoxo. No entanto, agimos como se a informação disponível fosse a informação completa. Raríssimo ouvir alguém dizer "não tenho informação suficiente". Vivam os banqueiros (que são geralmente pessoas bem informadas).
4. É fácil dizer que eu estou com tosse, é fácil dizer que o litoral está a saque. Para muito mais do que isto era preciso dispor de informação estruturada, e não temos (apesar do virtual avanço dado pelas redes de IT) modo de a estruturar. Não conseguimos prever o comportamento uns dos outros. Não sabemos prever como um juiz vai decidir um caso, como uma doença vai evoluir, como os estudantes vão reagir a uma mudança de programa. A aprendizagem das coisas faz-se por "tentativa-erro", mas não dispomos, socialmente, de sistemas de detecção de erros. E portanto não aprendemos nada, nem sequer a aprender a aprender.
5. O mesmo Dr. Ulrich, na entrevista, alertou para o próximo embate entre as línguas castelhana e portuguesa, muito mais preocupante (disse ele e digo eu) do que o controle de empresas portuguesas pelos "espanhóis". A imprensa de Madrid, disse ele, rejubilava há dias pelo facto de, no Brasil, o castelhano estar a tornar-se língua de aprendizagem obrigatória no ensino secundário. Mas logo a seguir, quando lhe perguntaram por que razão a Espanha tinha tão facilmente ultrapassado Portugal, não disse mais do que "são espanhóis, mais ambiciosos". É fácil atirar as coisas para a "preguiçosa índole lusitana". Mas isso é escrever na água.
6. Quando os Americanos foram à Lua nos anos 60/70, o mundo mudou tecnologicamente. Novos materiais, avanços fundamentais nas possibilidades da informática, estudos e conclusões nos mais diversos ramos da ciência. Mas um dos dirigentes máximos da NASA disse na altura que, de tudo o que tinham aprendido, o mais importante fora, de longe, a aprendizagem da organização. Como fazer uma coisa complexa com o máximo de eficiência. Ao contrário do que frequentemente julgamos, não é questão de "dar o litro". Aliás, pelo contrário: dá-lo é, geralmente, mau sinal.
7. É claro que existe corrupção e compadrio. Eu lembro-me de haver, quando era miúdo, contrabando de azeite na fronteira de Espanha (!). Quando as coisas são proibidas, há "mercado negro". Claro. E é claro que os contrabandistas adoram que o Governo proiba montes de coisas. Isso entra para o diagnóstico?
8. "põe quanto és em tudo o que faças". Esta ou uma frase semelhante foi dita por Ricardo Reis (Pessoa) e nós adoramos repeti-la. Bom. Eu preferia que em tudo o que fazemos na nossa relação com o mundo houvesse menos de nós e mais daquilo que os outros antes de nós aprenderam. Na contabilidade de uma empresa não me adianta ver a alma do contabilista - adianta-me ver exposta, com clareza e rigor, a sua situação financeira. Na receita do médico não quero que transpareçam os seus estados de alma - quero que transpareça o resultado acumulado de cem anos de ciência médica. No ensino não quero que o professor se "entregue" - quero que se tenha previamente definido, com simplicidade e inteligência, o que é que é suposto que os estudantes compreendam, e qual a melhor forma de o transmitir. Sim, no fundo queria menos "alma" nas coisas que a todos dizem respeito. E mais regras, que é uma coisa com que as almas se não dão bem. Talvez assim haja alma nas coisas que alma requerem.
9. Parece (só li isto em segunda mão, e não compreendi a história toda) que alguém terá feito há poucos dias uma especial sondagem sobre as eleições presidenciais. Os "portugueses" prefeririam jantar com o Dr. Soares, mas prefeririam que os seus filhos tivessem o Dr. Cavaco como professor. Esta esquizofrenia diz alguma coisa sobre os candidatos. Mas diz muito, infelizmente muito, sobre a desorientação dos eleitores, que não é uma desorientação política. "Sol na eira e chuva no nabal" era a frase usada - nos tempos em que Portugal era um país agrícola - para falar do erro de querer o melhor de dois mundos. Não é preguiça, nem sebastianismo. É não saber em que mundo se está. E isto não é um diagnóstico.